Tarde uma nuvem rósea lenta e transparente.
Sobre o espaço, sonhadora e bela!
Surge no infinito a lua docemente,
Enfeitando a tarde, qual meiga donzela
Que se apresta e a linda sonhadoramente,
Em anseios d'alma para ficar bela
Grita ao céu e a terra toda a natureza!
Cala a passarada aos seus tristes queixumes
E reflete o mar toda a sua riqueza...
Suave a luz da lua desperta agora
A cruel saudade que ri e chora!
Tarde uma nuvem rósea lenta e transparente
Sobre o espaço, sonhadora e bela!
Resolvi deixar a gastronomia (brevemente) de lado e assumir o posto que me coube originalmente neste blog: música. Começarei por algo fácil, Villa-Lobos e a Cantinela da Bachiana n° 5.
Fácil porque a peça é famosa e de simples assimilação. Ainda que não se goste desse gênero musical, percebe-se sem dificuldade a riqueza da obra. Lembro que entendo apenas de opinar; não poderei esclarecer essa riqueza.
Evoco Alberto Caeiro no intento de falar sobre essa peça. Ela é daquelas músicas que, no momento e no lugar certos, deve-se apenas sentir. Pelo arranjo e pelo destaque da voz da soprano, a ária chama atenção de forma irresistível. Mas é ao sentar e ao focar atenção nela que sua estética se mostra e atrai o ouvinte. Repare como a melodia tende a te puxar pela mão. A voz da soprano parece querer revelar alguma confidência, algum segredo, alguma desilusão talvez. É a preparação, durante os primeiros minutos, para o poema. A voz passa então a explicitar suas sensações. De forma lírica, a cantora pinta seu mundo ao entardecer. As cordas acompanham-na desenhando os contornos dos versos. Ao final, ela faz conhecer a origem de seu tormento. Mas apenas brevemente. A soprano repete a descrição inicial do entardecer, como se seu sofrimento fosse mero detalhe em dia tão bonito. O cantarolar seguinte, contudo, não deixa dúvida de que a beleza do dia está maculada pela tristeza, pela falta. O cantarolar representa seu desconsolo e suas lágrimas.
Goste-se ou não, a ária possui indiscutível beleza. A mescla de poema com música é fascinante. Apenas um gigante musical como Villa-Lobos para fazê-la tão bem.
Há duas versões dessa cantinela que me agradam mais, embora por motivos opostos.
A primeira destaca as cordas, entre as quais o violoncelo tem papel central. São versões com a soprano Ana Maria Martinez e a com Barbara Hendricks (esta pecando um pouco no português). São, respectivamente, os seguintes links: http://www.youtube.com/watch?v=sAeiynnsw-M e http://www.youtube.com/watch?v=_06B1SQjRRQ.
A segunda destaca a voz mais melodiosa e delicada da cantora mezzo-soprano Salli Terri - ao que parece, a preferida de Villa-Lobos para cantar essa ária. Peca-se, contudo, com a substituição do violoncelo pelo violão, o qual perde espaço na música e parece apenas seguir a cantora, ao invés de ser cúmplice na ambientação, como faz o violoncelo. Ainda assim, prefiro esta versão. Eis o link: http://www.youtube.com/watch?v=gejY9FQlDGM.
(...) Pela capacidade que tem de tocar, modificar e mover o ser-humano, a música é certamente a maior das artes.
Neste momento ouço Karajan conduzindo Eroica (Sinfonia número 3 de Beethoven). Peço venia para ler sobre o bom Villa posteriormente, sem interferências, mesmo que muito boas.
ResponderExcluirSensacional! Não desmerecendo os posts gastronômicos, mas só adicionei o blog aos meus favoritos depois deste. hohoh
ResponderExcluirCitando Joaquim Nabuco, coisa que tenho feito muito ultimamente:
ResponderExcluir"O meu juízo estético foi, em todas as épocas, ainda o é hoje, imperfeito, institivo, oscilante, como uma agulha que girasse por todo o mostrador."
Essa minha deficiência se torna nítica quando não consigo ter a sensibilidade para descrever tão bem todas as nuances artísticas de uma obra musical, como você o fez nesse post.
Parabéns pela delicadeza artística.
Nosso blog está bem de crítico musical.
Eu vou parar de ler o post de meus amigos. Meus comentários cairão sempre na vala comum do louvor, dos aplausos, da celebração de joelhos e, naturalmente, do exagero nem tão exagerado assim.
ResponderExcluirPor algum erro de forma, Villa nunca esteve no coração de meu sentimento musical. Outros ocupam este espaço desde criança. Claro que o erro de forma não é de Villa, é meu. Acontece que a popularização excessiva de músicas como as Bachianas destruiu seu efeito de me surpreender, como aconteceu com obras de Mozart e, claro Für Elise, de Beethoven, a despeito da grandeza ou não de cada uma dessas peças.
Bem, mas há muito mais a se conhecer e dizer sobre o grande autor brasileiro. Sugiro irmos passear na Amazônia em um próximo post.
PS: Vossa mercê não comentou o pio final da soprano. O que achas?
Para leigos que nem eu, foi uma ótima surpresa saber que brasileiros fazem música clássica. Eu achei que tinha q ser alemão para fazê-las. hahahahahaha
ResponderExcluirO pio no final é o último suspiro, me parece. Como aquele que se dá quando se dorme chorando. O último lamento antes de pegar no sono. Algo assim.
ResponderExcluirAgora, eu não diria popularização; diria massificação. É uma pena. Colocam Für Elise como ringtone de chamada em espera. !!!!!.
Só parando e concentrando pra ouvir o que a música tem a oferecer. Eis um bom professor: http://www.youtube.com/watch?v=r9LCwI5iErE
Esse aí faz dá exemplo de um noturno de Chopin (outro compositor massificado). Apesar de longo, o vídeo vale MUITO a pena.
Vc queria q eles colocassem o que como ringtone? Forró? Axé? Funk? Lady Gaga?
ResponderExcluirNenhuma música é exclusiva de uma elite esclarecida. Ao meu ver qt mais massificada uma música melhor ela é, pq significa q ela conseguiu atingir as sensações de um maior número de pessoas.
Não é essa a função da arte?
Mais ou menos, thiago. Uma característica da música pode ser exacerbada pela repetição, um trecho simples e cativante, mas q perde a mágica fora do contexto. Daí massificamos! O Marcel foi perfeito com o termo. Era o que queria dizer quando falei em popularização. :o)
ResponderExcluirA repetição irrefletida desgasta qualquer coisa. Für Elise como ringtone é a mesma coisa quando "te amo" vira "bom dia". Perde o encanto e a mensagem original. Vira terno Colombo.
ResponderExcluirMassificação não denota qualidade. Vide junk food.