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sábado, 21 de julho de 2012

Ouça! Ouça!


http://www.youtube.com/watch?v=PG6Y-6cWVno

- Quem está tocando?
- O piano?
- Não, a música toda.
- Várias pessoas….. É um concerto, não é?. Mas quem importa mesmo é o pianista.
- Por quê?
- Ele é o protagonista. A música toda é feita para o piano. Todo resto é um pano de fundo, um complemento, uma extensão do que acontece com o piano.
- Que viagem.
- Acho que um “concerto para piano” significa mais ou menos isso, não?
- De quem é?
- Rachmaninoff. Descobri sem querer, e essa música me atraiu muito. Parece uma história. Como se fosse uma trilha sonora.
- Como assim?
- Se você ouvir e se deixar viajar, dá pra inventar um enredo. Como se a música fosse feita para um enredo de um filme. Ouça. Eu imagino um esqueleto de história sempre que ouço.
- Volte a música para o começo, então. Não vi nada até a agora.
- Ouça! Ouça! É um concerto para piano. A música começa com um piano solo, por meio minuto. Começa com o piano dando passos pesados, como que entrando em cena lentamente. O som dos passos vão ficando mais altos conforme o protagonista (o piano) dominam a cena. Surgem agora [29s] as cordas, que parecem começar a levar consigo o piano; o nosso personagem vai perdendo espaço durante o próximo minuto. Ele se deixa levar, como se sua memória se perdesse. Parece um flashback. É um flashback: o protagonista está recordando algo. Ele fica quase mudo, perdido em lembranças.
- De quê?
- Shh! Ouça! A melodia indica o que estaria dominando sua mente a ponto de ele se esquecer de si. É uma melodia tranquila, fluida, quase feliz. Um momento de ingenuidade no passado (na infância?) do personagem. Agora [1min33] o piano volta, ele está narrando a sua lembrança. Meio minuto depois [1min44], há um abrupto crescendo, seguido de uma interrupção brusca. O que será isso? É como se ele tivesse acordado para a realidade de repente.
- E volta a melodia tranquila de antes.
- Sim. O piano segue narrando sua história. Narrando "ativamente", por assim dizer. Não está mais perdido em lembranças.  Mas agora o personagem não soa um pouco triste? Ele parece nostálgico. De certo, o presente o faz ter saudade do que ele viveu antes. As cordas e os sopros acentuam essa melancolia. Ouça [3min42]: o piano vai diminuindo a velocidade da narração. E agora aumenta de novo [4min]; ele fica agitado. Algo mudou. Entram [4min8] os metais em um rápido prenúncio. Como um mau agouro, não?  Ouça agora [4min20]! Começa o que, pra mim, é o tema central da “história”.
- Onde?
- Nas cordas! Shh! Surge, aos poucos, um reviravolta que vai tomando corpo. As cordam começam a carregar o piano de um modo diferente, inexorável como no começo da música. Ouça a flauta [4min25 e 4min34]… A flauta parece pressagiar algo ruim. A melodia das cordas puxam o protagonista cada vez mais. Ele está atordoado e tenta, sem sucesso, conter esse arrastamento. Parece pedir socorro [4min42]. Note a angústia do piano aumentando [4min54]. As cordas o carregam sem parar, mas não o arrastam. É como se ele mesmo não conseguisse conter a si mesmo. Que situação é essa em que ele se encontra? Ouça o desespero [5min30]! A voz do piano aparece entrecortada no meio das cordas que o carregam, como se estivesse se afogando. Depois das rápidas notas dos metais distantes (quem é esse personagem de mau agouro?) [5min43], o piano reaparece no ápice de sua angústia [5min53]. Ele tenta gritar, mas os gritos são abafados. Ele parece se debater. No meio do turbilhão, contudo, ele se acalma [6min15]. O pior passou. O piano agora apenas se lamenta. Com alguma dificuldade, ele recolhe os cacos. Ele chora. Ouça [7min5s]: não é o piano soluçando? Entra o sopro [7min12s]: um outro personagem (sua consciência?), o oposto dos metais. O sopro indica o caminho para longe daquela situação a que ele se deixou arrastar. E o piano compreende [7min38]! Ouça! As cordas acompanham o piano se reerguendo. A melodia se torna doce novamente, é uma oportunidade de recomeço!
- E essa “marcha” [8min44]?
- Marcha? Ah, sim, nas cordas. Acompanhado de um lamento nas cordas também. Não sei. É o desfecho. Um crescendo rápido. Como se o protagonista fosse cair no mesmo erro de antes. Ao final, talvez, ele recai nesse erro que o arrastou para algo que fugiu ao seu controle. Talvez seja isso. O problema é que aqui acaba o movimento.

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