Este blog é um esforço civilizatório pelo bom gosto.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Fado Tropical ou Raízes do Brasil


Oh, musa do meu fado
Oh, minha mãe gentil

Te deixo consternado

No primeiro abril
Mas não sê tão ingrata
Não esquece quem te amou
E em tua densa mata

Se perdeu e se encontrou
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal

“Sabe, no fundo eu sou um sentimental
Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dosagem de lirismo (além da sífilis, é claro)
Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar, trucidar
Meu coração fecha os olhos e sinceramente chora...”

Com avencas na caatinga
Alecrins no canavial
Licores na moringa

Um vinho tropical
E a linda mulata
Com rendas do alentejo
De quem numa bravata
Arrebata um beijo
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal

Ainda vai tornar-se um imenso Portugal

“Meu coração tem um sereno jeito
E as minhas mãos o golpe duro e presto
De tal maneira que, depois de feito
Desencontrado, eu mesmo me contesto

Se trago as mãos distantes do meu peito
É que há distância entre intenção e gesto
E se o meu coração nas mãos estreito
Me assombra a súbita impressão de incesto

Quando me encontro no calor da luta
Ostento a aguda empunhadora à proa
Mas meu peito se desabotoa

E se a sentença se anuncia bruta
Mais que depressa a mão cega executa
Pois que senão o coração perdoa”

Guitarras e sanfonas
Jasmins, coqueiros, fontes

Sardinhas, mandioca
Num suave azulejo
E o rio Amazonas

Que corre trás-os-montes
E numa pororoca

Deságua no Tejo
Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal

Ainda vai tornar-se um império colonial

Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um império colonial


Essa música, composição de Chico Buarque e Ruy Guerra para o musical “Calabar – O elogio da traição”, é uma das maiores obras da poesia musicada brasileira que eu conheço. Foi escrita entre 1972 e 1973, sob censura do regime militar. A história por trás do musical é bastante interessante, mas Fado Tropical, por si só, é um fenômeno.

A música fala claramente do Brasil, sobre o lirismo, a DST e o estilo musical que herdamos de Portugal. De cara percebe-se uma divisão na canção, com duas vozes diferentes cantando coisas diferentes. De um lado, um cantor (versos em itálico) coloca em palavras as características e as belezas de uma terra semelhante a Portugal (ou seria o próprio Portugal transplantado?). De outro lado, um narrador (versos entre aspas), herdeiro do sangue português, declama desabafos e justifica a crueldade de seus atos.

[Permitam-me uma conjectura tosca: estaria o primeiro (o cantor) ecoando as Raízes do Brasil, do pai do Chico Buarque? Ou talvez o segundo estivesse dialogando com Sérgio Buarque, ao descrever sua herança de “homem cordial”? Fato é que Fado Tropical mostra a ligação intrínseca do povo brasileiro com suas raízes portuguesas, raízes essas presentes e que fundamentam ainda hoje as relações entre Brasil, Portugal e PALOP.]

O segundo, o narrador, é a grande estrela da música. Seu poema difere do primeiro: é mais impressionista, lírico, íntimo, mais dramático. Não canta suas estrofes, apenas declama-as. Ao mesmo tempo que desabafa a desumanidade seus atos, busca justificar-se, salvar-se em sua sensibilidade e... bondade? Ele não consegue equilibrar sentimentos e atitudes (ou seria dever?). Ele age como que por impulso, por ordem superior, ou por inércia. O fado se aprofunda quando ele fala, puxa o ouvinte para o fundo do poço de culpa e remorso que ele sente.
Por duas vezes, ele fala ao público. Na primeira se apresenta, se mostra. Na segunda, com versos em forma de soneto, aprofunda o conhecimento de seu estado dicotômico: “Se trago as mãos distantes do meu peito / É que há distância entre intenção e gesto”. Esse estado, entre o sensível e o desumano, imita a própria clivagem da música: de um lado, bela e descritiva; de outro, angustiada e introspectiva.

O narrador se esconde entre os versos do cantor. Aparece e se esconde atrás das descrições e da canção. Quando reaparece, é para tomar ar e falar, para então novamente mergulhar na sua bravura de homem cordial e cruel. Note como, enquanto ele fala, o violão vai perdendo espaço para o violino. O som do violino some quando o cantor volta. É instrumento exclusivo da angústia do narrador – esse herdeiro lusitano cheio de lirismo e... sífilis?

Um primor.

Apesar da tosquíssima seleção de imagens, a versão da música que mais me agrada é esta: http://www.youtube.com/watch?v=VHQFmBrjLCM
(Veja que a palavra “sífilis” foi suprimida da música; ordem da censura.)

(…) O maior fardo do País é sua herança ou o destino previsto pelo cantor?

Amor sem Escalas - Série Indicados ao Oscar 2010


Amor sem Escalas conta a história de um executivo de recursos humanos que passa 322 dias por ano viajando para ir demitir funcionários. Ryan Bingham, personagem de George Clooney, usa seu trabalho como uma fuga pessoal, para evitar relacionamentos e não entrar no marasmo da vida cotidiana. Como o próprio personagem diz, ele tirou todo o peso dos relacionamentos das costas. Esse estilo de vida de Ryan é ameaçado pela nova funcionária de sua empresa, interpretada por Anna Kendrick, que pretende revolucionar os métodos ao propor que os funcionários sejam demitidos pela internet e os custos com viagem sejam diminuídos. Ryan é então obrigado a reavaliar sua opção de vida e a encarar os relacionamentos de outro modo, inclusive tentar assumir seu “sexo casual” com a executiva Alex (Vera Farmiga) como namoro.

Com essa história boba, Amor sem Escalas já ganhou o Globo de Ouro de melhor roteiro e foi indicado ao Oscar de melhor filme, melhor direção (Jason Reitman – mesmo diretor de Juno), melhor ator (George Clooney), duas indicações de melhor atriz coadjuvante (Anna Kendrick e Vera Farmiga) e melhor roteiro adaptado (Jason Reitman e Sheldon Turner).

Passei o filme inteiro com a sensação de que já tinha visto essa história antes. Até me emocionei em alguns momentos por causa da minha identificação com o personagem, mas acho que o filme não tem qualidade para ganhar nenhum dos Oscars ao qual foi indicado. Eu gostei especialmente da atuação de Vera Farmiga, mas, de novo, acho que não é o suficiente para ela ganhar o Oscar. Discordo da indicação de Anna Kendrick, ela teve uma péssima atuação e sua voz de adolescente mimada é irritante.

Em suma, Amor sem Escalas nem é tão ruim, que não merecesse ser indicado, nem é tão bom para merecer ganhar alguma coisa. Vá assistir apenas se não tiver nada melhor para fazer.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Invictus ou O Château Papel Político da Bola

Out of the night that covers me,
Black as the Pit from pole to pole,
I thank whatever gods may be
For my unconquerable soul.

In the fell clutch of circumstance
I have not winced nor cried aloud.
Under the bludgeonings of chance
My head is bloody, but unbowed.

Beyond this place of wrath and tears
Looms but the Horror of the shade,
And yet the menace of the years
Finds, and shall find, me unafraid.

It matters not how strait the gate,
How charged with punishments the scroll.
I am the master of my fate:
I am the captain of my soul.



Semana passada assisti Invictus com uma amiga. O filme coincide com a comemoração de 20 anos de libertação de Nelson Mandela – que ficou preso por quase 30 anos. No filme, Morgan Freeman interpreta o papel do primeiro presidente pós-apartheid de maneira bastante carismática. Frases de efeito, que demonstram a superioridade moral e de visão estrutural de longo prazo completam o personagem. Monta-se imagem de verdadeiro líder e estadista, construtor ideal que os sul-africanos precisavam em momento tão crucial na história daquele país.

O roteiro é leve; o enredo, simples. Tem começo, preparação para o clímax, clímax, superação, final feliz. Ótimo para uma tarde preguiçosa de domingo. O grande pecado do filme (ainda que tenha sido a proposta do enredo) é o fatigante destaque dado para o rugby, esporte nacional e elemento quase exclusivo de catalisação da unidade entre os sul-africanos. Mandela é apenas secundário na história, como parece transparecer pela capa do filme (acima). Ele é mero garantidor do sucesso do esporte como elemento de coesão social entre negros e brancos após o mais cruel regime de segregação racial das últimas décadas. O personagem de Morgan Freeman concorre em importância com o de Matt Damon, o capitão do time François Pienaar. Obviamente, o time ganha a copa do mundo – digo sem incorrer no risco de revelar o final do filme, final pra lá de previsível. Contudo, fica claro pelo roteiro e pela preocupação do presidente Mandela que, se perdessem, o futuro do país seria incerto; a nação poderia cair em perigosa desunião nacional. A conciliação entre negros e brancos estaria condenada. O papel de Mandela, no filme, foi, apesar de seu heróico passado, resumido a supervisor da ascensão do time de rugby.

Esporte é sim elemento de coesão social e pode ser instrumento de política, como tem sido comprovado com diferentes graus de êxito. Certamente, a vitória do time no campeonato de rugby, no imediado pós-apartheid, contribuiu para a harmonização racial da África do Sul. O problema foi a dedicação quase exclusiva do roteiro ao esporte. O filme não é sobre Mandela. É sobre superação e conquista – da Copa do Mundo de Rugby de 1995. Fica minha frustração pessoal com a proposta do enredo. Os R$9 do cinema só compensaram pela companhia e pela indicação do poema de William Henley.

E três vivas para o Piratpartiet.

(…) Sobre Mandela em filmes recentes, muito melhor é o Goodbye Bafana, de 2007.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

O Segredo Dos Seus Olhos - Série Indicados ao Oscar 2010


“Justiça é dar a cada um o que lhe é devido”. Platão

A filosofia já gastou páginas e páginas tentando definir é que é justiça. O filme argentino O Segredo Dos Seus Olhos traz novamente essa temática e tenta contribuir com o debate fazendo a audiência refletir sobre até que ponto a justiça feita pelo Estado é eficaz e se é legítimo fazermos justiça com as nossas próprias mãos.

O diretor Juan José Campanella e o roteirista Eduardo Sacheri são mestres na arte de contar histórias. Apesar do filme começar um pouco lento e confuso, a história vai ganhando densidade aos poucos e termina com um final genial. A narrativa confunde drama com suspense e tem umas leves passagens de comédia. Só pelo enredo já vale a pena ver o filme. Eu ia fazer um resumo da história, mas tenho medo de adiantar alguma cena importante. Recomendo o filme a todos que gostam de suspenses policiais, a única diferença desse filme é que em nenhum momento segue um receituário previsível.

Uma curiosidade é que Campanella foi diretor de Law & Order: Special Victms Unit e de House. E foi roteirista de O filho da Noiva, filme argentino que foi indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2002. Fica provada então sua maestria como bom narrador.

Como na maioria dos filmes latinos, a iluminação é péssima. Tenho uma grande dúvida para saber o motivo desse amadorismo na iluminação. Será falta de pessoal técnico qualificado, falta de dinheiro ou é tudo intencional e faz parte do estilo “latino” de fazer cinema?

O Segredo Dos Seus Olhos concorre ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Acho que tem poucas chances de ganhar de A Fita Branca, mas a qualidade da história já valeu a indicação. O cinema argentino mais uma vez mostra que sabe fazer filme sem precisar recorrer à desgastada temática social.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

A Fita Branca - Série Indicados ao Oscar 2010


Quando o filme A Fita Branca acabou no cinema da Academia de Tênis ouvi alguns comentários nas fileiras atrás de mim: “Foi isso? Foi apenas isso? Qual o final?” Quando eu me virei eram dois casais jovens indignados pelo tempo perdido no cinema. Segundos depois, três senhoras ao meu lado comentaram: “Um dos filmes mais geniais que já assisti”.

Como a maioria dos filmes de arte, A Fita Branca não agrada a todos e gera esse tipo de choque de opiniões geracionais. Por isso sua genialidade. É um filme para iniciados.

Primeiro que é filmado em preto e branco. Ao contrário do que possa aparentar, essa opção de filmagem não foi apenas para ser “diferente”, sua fotografia é coerente com o enredo e demonstra o cenário romântico e delicado da Alemanha rural pré- I Guerra Mundial. Christian Berger, diretor de fotografia, merece o Oscar por esse trabalho. Pelo menos, sua arte nem se compara com a fotografia photoshopada de Avatar. É até decepcionante ter os dois filmes concorrendo na mesma categoria.

Uma segunda dificuldade para os leigos é que o objetivo do filme não é uma contar uma história ou fazer uma narração de fatos. O desejo do diretor e também roteirista do filme, Michael Haneke, foi descrever a situação social, política, econômica e, principalmente, psicológica da Alemanha pouco antes da I Guerra. O filme não tem um final, ele é um quadro, uma pintura de um contexto. Por isso a sensação de decepção dos jovens, que citei acima, no cinema.

A Fita Branca concorre a dois Oscars, de melhor filme estrangeiro e melhor fotografia. Sendo o favorito para a primeira indicação, por já ter ganho a Palma de Ouro em Cannes.

Michael Haneke nos conta a história de uma pequena aldeia rural na Alemanha em 1913. O diretor destaca o autoritarismo do protestantismo, seu machismo, preconceito e valorização da hierarquia, tanto familiar, quanto social. Por causa do rigor religioso, na aldeia não existe amor, apenas rancor e falta de compaixão. Esse quadro psicológico induz a platéia a pensar que foi natural o nazismo ter surgido nessa sociedade amarga.

Outro aspecto salientado no filme é a falência do modelo monárquico alemão no início do século XX. As relações quase feudais entre o fazendeiro-barão, que comanda politicamente e economicamente a aldeia, e os moradores e trabalhadores aldeões estão a ponto de explodir. Crise que levará ao fim da dinastia Guilhermina e adoção da Constituição de Weimar anos depois.

Esse é o panorama histórico desenhado por Haneke de forma magistral. Seu trabalho é uma crítica consistente e na Era de Avatar, ele nos lembra que o cinema ainda é uma arte.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Alice ou Villa

Semana passada foi o final do festival Restaurant Week. Eu e minha companheira de jantares fomos a dois restaurantes para avaliar as refeições e os lugares.

No início da semana fomos à balada e francofônica Alice Brasserie. Ouvi opiniões contrárias, mas o fato é que gostei muito do menu. De entrada, crepe de espinafre com picadinho de filé, molho gorgonzola e tomate concassé. Serviu para abrir o apetite e aumentar a expectativa pelo prato principal.

Infelizmente, o serviço é muito, muito precário no restaurante. Faltam garçons. Falta coordenação entre os garçons. Quem perde é o cliente que fica sentado sem ser atendido e a casa, que não consegue fazer entrar a enorme fila de espera que se forma do lado de fora. Não esperei por mesa, mas somente porque cheguei bem cedo (antes das 20h); antes das 21h a casa estava lotada, sob verdadeiro caos de atendimento. Eu tinha que pedir várias vezes para os garçons servirem nossos copos vazios de vinho e trocar nossos pratos. Num dado momento, a própria Alice saiu da cozinha, zizagueando pelo restaurante procurando a mesa que deveria servir um prato de salada. Um caos.

Finalmente chegou o prato principal. Frango marroquino. Delicioso. Passei as férias de janeiro no Marrocos e, para mim, o prato lembrou algumas refeições nas tradicionais taginas daquele país. Um bom tempo depois, veio a sobremesa. Minha amiga pediu bolo de chocolate e eu manjar branco com calda de caramelo. O bolo estava bom, porém singelo, algo indigno dos pratos anteriores. O manjar combinou bem com a comida e com o lugar e fechou a noite de forma gostosa, simples e elegante.

Pedimos um vinho branco argentino, um viognier, 2008, da Humberto Canale. Vinho muito rico em aromas, mas um tanto fraco no paladar. Não combinou com o jantar, principalmente com o frango marroquino que, rico em temperos, eclipsou a bebida.

O francofonismo do restaurante me pareceu algo brega. Bem para dar um toque barato de sofisticação agradável aos novos-ricos de Brasília.



No último dia do festival, fomos jantar no Villa Borghese. A casa procura passar um ar de luxo e de exclusividade, para o qual concorre as inúmeras fotos penduradas nas paredes com celebridades que comeram no lugar. O restaurante estava quase vazio quando chegamos e recebemos pronto atendimento, o que contrastou sobremaneira com o serviço do Alice. A comida foi muito bem preparada e estava deliciosa. A entrada foi cuscus marroquino – para não perder o gosto – com filet mignon, e o prato principal, arroz em molho de tomate com camarões. Infelizmente, os camarões estavam muito pouco frescos, mas não o suficiente para desanimar o cliente. Como sobremesa, delícia de limão. Valeu a pena.

Não tomamos nada que mereça comentários.


(…) Acabou o RW e começo a pagar o cheque especial. Mas jamais me submeterei ao RU.


segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Avatar ou Pocahontas Cibernética - Série Indicados ao Oscar 2010




"O tempo presente e o tempo passado/ Estão ambos talvez presentes no tempo futuro/ E o tempo futuro contido no tempo passado.”

Esses versos de T.S. Elliot nos lembram que não existem temas esgotados na arte. Releituras e atualizações de alguns tópicos são importantes na reciclagem artística. No entanto, esse exercício é inútil quando não se acrescentam novas perspectivas críticas e analíticas. A simples replicação é preguiça mental.


Avatar, com direção de James Cameron, segue o roteiro clássico de uma sociedade nativa pura ameaçada pelo expansionismo do homem branco, explorador e ambicioso, atrás de recursos naturais, que surge para acabar com a vida de harmonia com a natureza dos povos autóctones. Para o discurso politicamente correto não ficar chato, um dos conquistadores se apaixona por uma nativa e tem seu coração purificado pelo amor.


Esse enredo água-com-açúcar já foi contado na literatura, de relance me lembro de Caramuru (Santa Rita Durão) e Iracema (José de Alencar); na música, por O Guarani (Carlos Gomes) e no cinema, alguns exemplos são Pocahontas e Anna e o Rei.


Avatar reconta todos esses clássicos adaptando-os à ficção científica. Em vez de usar um navio, James Cameron usa naves espaciais. Em vez de índios, usa extra-terrestres. Em vez de um marinheiro náufrago como herói, usa um mariner paraplégico. A única coisa que fez falta foi Colors of the Wind como trilha sonora.


James Cameron teve zero de criatividade no roteiro. Fez bom uso dos 500 milhões de dólares de orçamento, aplicando-os em tecnologia. Artifício que funcionou com um público cada vez mais fascinado por parafernálias da Era Apple, mas incapaz de apreciar uma história bem contada.


Avatar é um caso típico em que a tecnologia não é usada como instrumento para a inteligência, mas é uma muleta para um filme fraco e sem nenhuma história para contar.


Perdi 2 horas e 30 minutos da minha vida vendo esse filme.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Imagens Humanas ou Xilogravuras

No último final de semana Maia e eu fomos à Caixa Econômica Federal, no prédio do teatro, para ver as quatro exposições abertas ao público. As quatro são diferentes, e duas nos chamaram, particularmente, atenção: a de João Roberto Ripper e a de Oswaldo Goeldi.

O primeiro, João Roberto Ripper, é fotógrafo. Dois pequenos corredores encerram seleção de belíssimas fotos em preto e branco. São dedicadas a brasileiros que vivem distante do País urbanizado. A maior parte das fotos mostra, de perto, em desconfortável close, a imagem de carvoeiros de ambos os gêneros e de diversas faixas etárias. Outras mostram idosos, crianças em diferentes situações. Todas, digamos precárias - do ponto de vista da qualidade de vida daqueles que estão lendo (ou escrevendo) este blog.

Vale muito a pena ir. A exposição vai até o dia 28 de fevereiro, domingo, das 9h às 21h.


Site do artista: http://www.imagenshumanas.com.br.



O segundo, Oswaldo Goeldi, é xilogravurista. Impressionante. Arte de carimbar com madeira. O artista talha um pedaço de madeira liso, dando forma à imagem. Pinta a madeira e pressiona-a contra um papel. A habilidade de Goeldi é surpreendente. Chamou-nos atenção, em particular, a destreza com que o xilogravurista joga com luz e sombra.

Imperdível. A exposição termina no dia 21 de fevereiro, nos mesmos horários.



Site do artista: http://www.oswaldogoeldi.org.br.



(...) Foi uma das poucas vezes que saí num sábado a tarde para aproveitar o pouco de cultura que Brasília oferece. Encontramos algumas pérolas.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Universal no RW ou Entendido


Ao longo dos últimos dias passei na porta do Universal algumas vezes. Confesso que num ambiente de livre oferta e procura ficava chocado em ver pessoas se amontoarem na porta do estabelecimento para conseguirem uma mesa. Em minha concepção não passava de modismo para almoçar no restaurante tão badalado por preços razoáveis. Mais uma vez, enganado estava.

Às 11:50h estava na porta do restaurante e pedi mesa para dois. Creio que às 12:10h a casa já estava lotada! O atendimento foi muito atencioso e o ambiente é agradável, apesar de, dependendo de seu lugar, ser um bocado apertadinho. A decoração é interessante e tem proposta de ser um pouco over. Apesar da pequena TV (com forro de leopardo) passando Spartacus, achei a ambientação aceitável e condizente. Interessante perceber que um espaço com uma cara tão queer tenha conseguido se virar tão bem entre o grande público, incluindo altas autoridades da corte. Nada como um sistema de livre mercado que remunera o esforço, o mérito e o produto por sua qualidade.

E é de qualidade que vamos falar. A entrada era alface crespa com molho especial de mel, azeite, com croutons, ricota, alho poró e cenoura em bastão. Acompanhavam duas azeitonas (detesto!) e alguns pedaços de tomate. Algumas pessoas usaram expressões que definiram bem a entrada: "saladinha sem vergonha”, "uma farsa", "deviam ao menos tentar deixar bonita essa pouca coisa". Ruim não era, mas e daí? Nunca perdoaremos mediocridades por aqui.

Enquanto isso, tomei um drink a base de espumante chamado Universal (R$18,00). Achei uma delícia. Recomendo para aqueles que também adoram espumantes.

Mas vamos ao que importa: o delicioso prato principal. Mara Alcamin faz jus aos títulos que recebeu. O filé mignon em cubos, com molho de ostras, acompanhado de exótico risoto de castanhas é ótimo. De longe o melhor prato que comi durante esse festival. Vale chegar mais cedo ou pegar a fila. É servido em medida ideal e o sabor justifica o prestígio da casa. Aplausos, aplausos!

A sobremesa também agradou. O Brownie com sorvete de creme, calda de chocolate quente, chantilly e cereja estava na medida. Não era muito doce e, se há alguma observação, é a de que o sorvete poderia ser mais bem elaborado, talvez outro sabor, talvez um ingrediente especial. De qualquer modo, aprovado!

(...)Os religiosos levem uma cruz para o restaurante. Há uma foto do George Michael na parede!

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Villa Tevere no RW ou Já Comi Bruschettas Melhores


Eu, Marshall, uma amiga e um amigo fomos ao Villa Tevere no sábado. O restaurante não faz reservas durante o Restaurant Week e é bom ou chegar muito cedo ou muito tarde. Jer e Cris chegaram por volta das 13:30h e esperaram quase uma hora para entrar (além de terem ficado com a sensação de que foram pulados na fila de espera). Marshall e eu chegamos às 14:30h e os demais haviam acabado de tomar seus lugares. Não conhecia o restaurante e tive ótima impressão de sua aparência (em um primeiro momento). Muito aconchegante a sensação de estar em uma vila tipicamente mediterrânea. Contudo, um olhar mais atento denunciou forros puídos, quase rasgados, e o meu sousplat era o único que divergia em forma e cor dos demais.

Não tivemos de esperar muito para a chegada das entradas: Bruschetta di pomodoro al basilico. A aparência estava boa, mas logo percebi que a minha bruschetta era razoavelmente menor que as demais. Tive o azar de aproveitarem o final do pão. Estaria eu marcado naquele dia?

Após as entradas, que estavam gostosas (mas Martorelly fez coisa muito melhor em jantar caseiro, e em sua primeira tentativa), esperamos um tempo a mais pelos pratos. Coisa de vinte minutos. Chegamos a nos questionar se seria necessário pedir que o prato principal viesse! Neste momento comecei a crer que Gordon Ramsey estava na cozinha gravando Kitchens Nightmares: garçons correndo de um lado para o outro transparecendo stress, carregando coisas como podiam e fazendo malabarismo para limpar nossas mesas.

A Picatta al limone (escalopes de filé mignon ao molho de limão siciliano, vinho marsala e salvia servidos com risoto de açafrão) estava gostosa, apesar de termos sentido o açafrão um pouco além da conta nas primeiras garfadas. Contudo, confesso que o prato esteve longe de arrancar suspiros.

A esperança de ser surpreendido foi até o final. A foto da sobremesa que está disponível no site do evento é tentadora. Mas nada de espetacular. A sobremesa é gostosa, parte de uma idéia muito interessante, mas deveria ser um pouco mais bem servida para termos uma idéia melhor da mistura das receitas. L’operetta (taça gelada de morangos e suspiros, molho de chocolate e sorvete de vanilla) fez todo jus ao seu diminutivo.


(...)Supresas? Sim! Marcel quase foi devorado por um mosquito. A bela fonte ao centro não alimentava apenas nossos olhos.

De La Musique ou Introduzindo Villa Neste Blog

Tarde uma nuvem rósea lenta e transparente.
Sobre o espaço, sonhadora e bela!
Surge no infinito a lua docemente,
Enfeitando a tarde, qual meiga donzela
Que se apresta e a linda sonhadoramente,
Em anseios d'alma para ficar bela
Grita ao céu e a terra toda a natureza!
Cala a passarada aos seus tristes queixumes
E reflete o mar toda a sua riqueza...
Suave a luz da lua desperta agora
A cruel saudade que ri e chora!
Tarde uma nuvem rósea lenta e transparente
Sobre o espaço, sonhadora e bela!


Resolvi deixar a gastronomia (brevemente) de lado e assumir o posto que me coube originalmente neste blog: música. Começarei por algo fácil, Villa-Lobos e a Cantinela da Bachiana n° 5.
Fácil porque a peça é famosa e de simples assimilação. Ainda que não se goste desse gênero musical, percebe-se sem dificuldade a riqueza da obra. Lembro que entendo apenas de opinar; não poderei esclarecer essa riqueza.


Evoco Alberto Caeiro no intento de falar sobre essa peça. Ela é daquelas músicas que, no momento e no lugar certos, deve-se apenas sentir. Pelo arranjo e pelo destaque da voz da soprano, a ária chama atenção de forma irresistível. Mas é ao sentar e ao focar atenção nela que sua estética se mostra e atrai o ouvinte. Repare como a melodia tende a te puxar pela mão. A voz da soprano parece querer revelar alguma confidência, algum segredo, alguma desilusão talvez. É a preparação, durante os primeiros minutos, para o poema. A voz passa então a explicitar suas sensações. De forma lírica, a cantora pinta seu mundo ao entardecer. As cordas acompanham-na desenhando os contornos dos versos. Ao final, ela faz conhecer a origem de seu tormento. Mas apenas brevemente. A soprano repete a descrição inicial do entardecer, como se seu sofrimento fosse mero detalhe em dia tão bonito. O cantarolar seguinte, contudo, não deixa dúvida de que a beleza do dia está maculada pela tristeza, pela falta. O cantarolar representa seu desconsolo e suas lágrimas.

Goste-se ou não, a ária possui indiscutível beleza. A mescla de poema com música é fascinante. Apenas um gigante musical como Villa-Lobos para fazê-la tão bem.

Há duas versões dessa cantinela que me agradam mais, embora por motivos opostos.

A primeira destaca as cordas, entre as quais o violoncelo tem papel central. São versões com a soprano Ana Maria Martinez e a com Barbara Hendricks (esta pecando um pouco no português). São, respectivamente, os seguintes links: http://www.youtube.com/watch?v=sAeiynnsw-M e http://www.youtube.com/watch?v=_06B1SQjRRQ.

A segunda destaca a voz mais melodiosa e delicada da cantora mezzo-soprano Salli Terri - ao que parece, a preferida de Villa-Lobos para cantar essa ária. Peca-se, contudo, com a substituição do violoncelo pelo violão, o qual perde espaço na música e parece apenas seguir a cantora, ao invés de ser cúmplice na ambientação, como faz o violoncelo. Ainda assim, prefiro esta versão. Eis o link: http://www.youtube.com/watch?v=gejY9FQlDGM.

(...) Pela capacidade que tem de tocar, modificar e mover o ser-humano, a música é certamente a maior das artes.

Black & White 2 ou Rayuella Revisitado

Sexta passada fui com colegas para o Rayuella colocar a avaliação do Maia a prova (vide post de 26 de janeiro, abaixo). Discutindo com ele, vi que o problema da casa é atender a muitas pessoas. Ele havia ido no começo do RW, acompanhado de apenas uma pessoa. Eu fui no final da semana, no meio do Festival, com seis colegas.
Não me alongarei. As coisas se passaram como descreveu o Maia. Porém, dois fatos não deveriam ter ocorrido, para manter o bom nome do lugar (emprestado, diga-se de passagem, da instigante obra de Cortázar). Primeiro, a lentidão da chegada dos pratos. Muita, muita demora; não vá, como nós, com apenas duas horas de almoço. Segundo, a qualidade do prato principal caiu consideravelmente devido à grosseria do molho branco. Parecia manteiga derretida.
Uma pena para um lugar que já serviu a saudosa sobremesa batizada de Mrs. Dalloway.

(...) Se um restaurante não consegue funcionar sob pressão, talvez não devesse funcionar.

Dudu Camargo no RW ou Sobre a Mediocridade


Vou tentar ser breve e objetivo, o que é algo desumano com alguém formado e formando em Ciências Humanas em uma universidade pública.

Os três mosqueteiros deste blog fomos ao Dudu Camargo na quinta-feira (fizemos reserva). Nos acompanhou a gentil e elegante dona do endereço http://naovouaocinema.wordpress.com/.

Atendimento: bom e atencioso. Porém, confesso que não esperava nada diferente. O preço não permite outra coisa.

Entrada: Algumas folhas com molho de maracujá e um patê de salmão. Quase um bom cartão de visitas, curto e bem apresentável. O sabor agradou.

Prato principal: picadinho e arroz com legumes. Opinião? Dava para ter uma opinião? Tão insignificante quanto ternos Colombo.

Sobremesa: Tartelete de chocolate com um pedacinho de maça assada com canela. A pequenez não foi salva pelo sabor. Uma pena, pois da sobremesa eu esperava mais.

(...) Vá ao cinema no horário do almoço. É vazio e civilizado.

Roadhouse no RW ou Redhouse no RW


Quarta-feira minha irmã foi ao Roadhouse Grill, ao lado do Pier 21, experimentar o cardápio que estão oferecendo no Restaurant Week. Reproduzo o depoimento dela:

Quando cheguei, o lugar não estava cheio e logo veio uma moça nos atender e nos conduzir até nossa mesa. Sem muita demora um garçom apareceu para pegar nosso pedido e pedimos o cardápio do RW. Depois de 15 minutos a House Salad (com molho à sua escolha) chegou, e fiquei surpresa, porque realmente não esperava que servissem a porção inteira. A apresentação estava muito boa, não deixando a desejar nem em quantidade nem em sabor. Não precisei pedir o prato principal novamente. Ele chegou aproximadamente 10 minutos depois da chegada da salada. Filé Mignon ao molho de mostarda Dijon, e acompanhamento à escolha do cliente. Escolhi o arroz Pilaf, um arroz com legumes, muito bom por sinal. No prato principal o que deixou a desejar foi o Filé, que eu pedi bem passado e veio bem avermelhado. Apesar disso ter me decepcionado um pouco, a carne estava macia, o molho muito saboroso e, assim como a salada, bem farto. Para a sobremesa veio o petit brownie (não tão petit assim) com sorvete e calda de chocolate. Estava bom, mas devo dizer que não é dos melhores que já comi. Talvez um pouco doce demais... Enfim, de modo geral me agradou. Comida farta e bem temperada, e ótimo atendimento. Recomendo! Mas lembre-se de deixar bem claro que quer seu Filé bem passado.

(...) Não são poucas as histórias de carne mal passada no Roadhouse. Da próxima vez leve um desenho.

Preciosa - Série Indicados ao Oscar 2010


Para a física, densidade é definida como a relação entre massa e volume. Para a geografia, densidade é a relação entre população e território. No entanto, para as Artes, a densidade, tal como um dogma, é algo que ninguém consegue definir, mas é perceptível a sua existência.

O filme Preciosa, com direção de Lee Daniels, concretiza perfeitamente a abstração desse conceito. A atuação de Gabourey Sidibe é atordoante no papel de uma adolescente obesa de 16 anos que cresce rodeada por violência doméstica e engravida de seu pai duas vezes, sendo um dos seus filhos portador de síndrome de Down. A fotografia é pesada e suja para retratar a vida marginal da protagonista e a sonoplastia é cuidadosamente mal acabada, o que incrivelmente se torna condizente com o mundo negro e suburbano do Harlem dos anos 1980.

O roteiro torna a vida de Claireece "Preciosa" Jones uma tortura para quem assiste ao filme. Quando o telespectador acha que a vida da personagem vai dar uma reviravolta e a narração seguirá o clássico hollywoodiano do final feliz, é surpreendido por mais desgraças cruelmente narradas por um enredo não linear e, permitam-me usar a palavra, denso.

Preciosa não é um filme que nos leva à reflexão. O espectador não consegue torcer, nem vibrar, nem se entristecer. É um filme que nos deixa passivos diante da desgraça alheia. O objetivo é mostrar que somos amorfos diante da sucessão de tragédias descritas por Lee Daniels.

Quanto à atuação de Mariah Carey, não há o que se falar, ela é apenas uma figurante.